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Juliana Roberto dos Santos

PARENTALIDADE E A CLÍNICA DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA PARA PESSOAS TRANS

Hoje já está disponível um modo de parentalidade que inclui as pessoas trans. Juliana nos apresenta um texto com muita riqueza de informações sobre essa questão. Leia, aprenda e comente no Blog do Coletivo Intercambiantes Brasil!


Segundo a resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) de 2021, a pessoa transgênero tem o direito de utilizar as técnicas de reprodução assistida para aumentar a família ou preservar a sua fertilidade - que pode estar ameaçada depois da inserção de hormônios para mudança corporal.

 

O paciente precisa ser aconselhado sobre as consequências de suas intervenções médicas e receber informações sobre opções para preservar seu potencial de procriação, antes das intervenções de transição de gênero serem iniciadas. Normalmente, pessoas trans não têm informações sobre a sua saúde reprodutiva, podendo se impactarem com a impossibilidade futura de terem filhos com os próprios gametas.

 

Certamente a procriação sendo possível via técnicas reprodutivas, traz como benefício a possibilidade de experimentar um modo de parentalidade, anteriormente indisponível.

 

Em se tratando do paciente que já passou pela transição, para que possa preservar a sua fertilidade, ele precisará deixar de consumir os hormônios para a transformação do corpo. Avelar (2019), afirma que a pessoa poderá se impactar ao se deparar com um corpo que não deseja mais, processo por vezes angustiante, pois, levará o paciente a lidar novamente com um corpo indesejado e quiçá abominável.

 

Considerando uma gestação, em algumas situações, ao homem trans, poderá ser dada a opção de engravidar e, esse, gestará o bebê caso a esposa ou marido, não possam, por algum motivo de saúde (mulher cisgênero) ou não possibilidade do corpo – no caso do homem cisgênero. Importante realçar, que nestes casos se faz necessário considerar o desejo legítimo do paciente para o tratamento, pois, ele precisará contar com o corpo “antigo” por impossibilidade da parceira (o), tendo em vista que esse caso também poderá suscitar vivências angustiantes e, talvez, inimagináveis.

 

Ainda na clínica de reprodução assistida, é comum observar que paciente trans não deseja cuidar do corpo, marcar consultas ou exames que precisam ser realizados periodicamente por qualquer sujeito. Eles se sentem envergonhados, não acolhidos nos consultórios médicos e laboratórios. Se pode pensar que negam a realidade física do corpo? (apesar da transição e/ou cirurgia, ainda há um corpo “antigo” a ser cuidado). Situação extremamente preocupante, pois desta maneira deixam e deixarão de realizar exames preventivos, não cuidando da saúde, do corpo, podendo, inclusive, adoecerem sem chances de tratamento.

 

Cabe ao profissional de saúde proporcionar um ambiente acolhedor e respeitoso, atento à individualidade de cada paciente. É possível ainda que eles não tenham rede de apoio, visto que muitas famílias podem se encontrar enlutadas pela perda da pessoa que o paciente trans fora no passado.

 

Em se tratando da parentalidade das pessoas transgênero, pode representar uma dessas categorias não convencionais, combinando desejos e possibilidades reprodutivas com quebras de paradigmas socioculturais. Isso pode ser possível na sociedade contemporânea que cultiva as particularidades, permite que se desenvolvam corpos que fogem de tentativas de normatização, para que possam ser “eles próprios” e que encontrem um lugar para existir.

 

Na atualidade, o modelo de família tradicional (pai, mãe e filhos biológicos) foi substituído por novos modelos. O novo modelo foi redesenhado pelas relações afetivas e pelo desejo pessoal, portanto, o casal parental existe apenas na essência (Santos, 2021). Para tanto, pressupõe-se relações mais democráticas do que as estabelecidas e isso não depende só da boa vontade dos indivíduos.

 

Dessa maneira, podemos afirmar, pensando em maternidade/paternidade, que cada um, dentro do seu próprio universo atribui os lugares simbólicos de pai e mãe, e assim, não se trata de gênero para a definição desses papéis dentro de uma família. Contudo, é a capacidade de cuidado e a qualidade do relacionamento com os filhos e filhas os fatores que correspondem à boa parentalidade (Zambrano, 2006).

 

Parece que serão mais os julgamentos morais advindos de diferentes esferas da sociedade devido ao fato de ter um pai ou/e mãe transgênero, que poderá apresentar consequências para a criança.

 

A sociedade terá que legitimar as novas configurações e filiações que estão emergindo cada vez mais. Não há de se categorizar, entretanto, que ele é um pai – mãe, ou ela é uma mãe – pai, ele é na verdade, um pai e ela é, na verdade, uma mãe. Não se trata de uma mera e simples troca de lugares, mas da construção de um outro lugar e de outros sentidos. [...] “nesse terreno (Medrado, 2002) a única certeza é a diversidade. Diversidade de experiências, diversidade de arranjos familiares, diversidade de possibilidades”.

 

Se faz necessário compreender como a identidade que se encontra em si mesmo, se insere no mundo e nas relações, levando o paciente a pensar da forma mais verdadeira possível, para que possa se constituir de maneira mais real, podendo escolher, decidir, assumir quem é e, assim, exercer a parentalidade frente ao filho desejado e à família constituída.


 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


  1. Avelar, C. C. (2019). Parentalidade transgênero. In J. Quayle, L. M. N. Dornelles, & D. M. Farinati (Orgs.), Psicologia em reprodução assistida. São Paulo: Editora dos Editores.

  2. Conselho Federal de Medicina. (2021). Resolução nº 2.294/2021. Recuperado em 01 de junho de 2024, de https://sistemas.cfm.org.br/normas/arquivos/resolucoes/BR/2021/2294_2021.pdf

  3. Medrado, B., & Lyra, J. (2002). “O homem no processo de ter filhos”. Rede Saúde, Dossiê Humanização do Parto. Rede Nacional Feminista de Saúde Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos, São Paulo.

  4. Santos, J. R. (2021). Single parenting - a new family arrangement. Trabalho apresentado no VII Seminário Internacional Transdisciplinar sobre o bebê, comunicação oral (on-line). Instituto Langage; Hópitaux Universitaires Pitiê Salpêtrière Charles Foix e UPMC Sorbonne Universités (Orgs.), Paris.

  5. Santos, J. R. (2022). Pessoas transgênero e os tratamentos de reprodução assistida. In L. Leis & P. Gallo (Orgs.), Psicologia em infertilidade e reprodução assistida: Da teoria à prática. São Paulo: Editora dos Editores.

  6. Zambrano, E. (2006). Parentalidades "impensáveis”: pais/mães homossexuais, travestis e transexuais. Horizontes Antropológicos, 12(26), 123-147.


 

SOBRE A AUTORA:


Juliana Roberto dos Santos: Psicóloga Clínica. Psicóloga do Instituto Ideia Fértil de Saúde Reprodutiva. Psicóloga da Clínica Neo Vita. Especialista em Psicoterapia Psicanalítica pela Faculdade de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP). Doutoranda em Ciências pela Faculdade de Medicina do ABC-SP. Membro do Comitê de Psicologia da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana (SBRH).

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