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NOTA PÚBLICA | EDUCAÇÃO E CULTURA: MAIS VIDA E MENOS SOFRIMENTO SOCIAL

Atualizado: 20 de out. de 2022


A proibição de alguns produtos psicoativos nunca atendeu a critérios científicos relacionados com a saúde. A ‘guerra do ópio’ entre a China (Império Qing) e a Inglaterra/Irlanda, no século XIX (1839-1842; 1856-1860), teve razões econômicas, tanto quanto a proibição da CaNnabis sativa (maconha), no início do século XX, teve motivação racista, voltada contra os negros na América do Norte, particularmente na cidade de Nova Orleans, e adotada na Bahia pelo Dr. José Rodrigues da Costa Dória, mais tarde Professor de Medicina Legal da Faculdade de Direito da Bahia e, posteriormente, por Raymundo Nina Rodrigues na elaboração de suas teses eugênicas.


A ‘Lei Seca’, imposta à sociedade norte-americana, enriqueceu famílias e facções mafiosas, em um período de intensas e sangrentas lutas pelo controle de amplos territórios. Contudo, a exacerbação da violência e mortes naquele período não estava relacionada com o uso clandestino de etílicos, mas com o tráfico que se instalou e cuja força corruptora ficou bem documentada pela literatura e pelo cinema. Neste sentido, as substâncias psicoativas foram deslocadas da ordem antropológica para a ordem comercial ilegal, tendo a polícia papel relevante na sustentação de uma repressão, também ela, causa de violência e morte, cristalizada e adotada mundialmente a partir dos anos sessenta, sob a denominação de ‘Guerra às Drogas’, tornada ‘missão de inúmeros Estados’ a partir do governo de Richard Nixon, justificando a invasão de países, sobretudo na América do Sul, e a criação de dispositivos específicos na Organização das Nações Unidas (ONU) para o ‘combate às drogas e crimes’, através de convenções ‘orientadoras’ de políticas voltadas para o “combate às drogas”, em numerosos países do mundo.


Nos tempos atuais, vive-se, ainda, sob a influência desta proibição/repressão, contra a qual se insurgiu o antiproibicionismo, sustentado em dados científicos e bioéticos, que considera o consumo de psicoativos, qualquer que seja ele, um direito a ser defendido no campo da autonomia e liberdade individuais, regulamentado pelo Estado, retirando o comércio de drogas da ilegalidade, comércio este, gerador de imensos danos sociais. Não há evidencias confiáveis que permitam considerar causas isoladas como responsáveis pelo consumo abusivo de drogas, menos ainda às famílias, quer como produtora, quer como instância salvadora de filhos perdidos ou desgarrados, usuários de drogas, sobretudo aquelas famílias submetidas à pobreza, padecendo de fome, sem trabalho, dentre outros aspectos.


Em passado relativamente recente, o Governo da Bahia apoiou as dezenas de painéis pela cidade de Salvador, e interior do Estado, com a imagem dos pés de um morto ao qual se atribuía o inevitável: ‘crack: cadeia ou caixão’, sem nenhum apoio científico para esta afirmação. Uma propaganda eminentemente ideológica, na perspectiva da ‘pedagogia do terror’, dos anos 70/80. Propaganda rapidamente retirada, mas cujos efeitos perduraram.



Agora, “nestes tempos difíceis que correm”, pandêmico, quando mais de seiscentas mil famílias choram seus mortos, a Bahia, que trabalhou tão bem no enfrentamento da COVID19, é inundada com painéis, mensagens radiofônicas e televisivas, atribuindo a violência social - de causas múltiplas - o sofrimento e as mortes, ao consumo de drogas, convocando as famílias a protegerem e/ou recuperarem seus filhos, destituindo o Estado de sua responsabilidade diante do tráfico, da insegurança alimentar, falta de trabalho, boas escolas em tempo integral e apoio financeiro adequado para as famílias vulneradas. As mensagens, veiculadas culpabilizam as famílias, não mostram pessoas brancas e não indicam alternativas viáveis, só dor, sofrimento e morte, desprezando as artes, a cultura, os esportes. Deslocam a responsabilidade do Estado Proibicionista, com suas consequências e iniquidades decorrentes do modo de produção capitalista, neoliberal que assola o país, para as famílias mais pobres, em geral pretas e periféricas, Gira em torno de 60% a taxa de jovens detidos e detidas nas prisões brasileiras por tráfico de drogas ilícitas, de onde saem diplomados pelas “escolas do crime”. As taxas de homicídios em nosso Estado, incluindo os homicídios atribuídos ao aparelho policial, são alardeados pela mídia.


A ausência de Centros de Atenção Psicossocial para o cuidado das pessoas com problemas relacionados com o abuso de álcool e/ou outras drogas é uma insuportável realidade: em Salvador existem apenas três CAPSad, cuja formação continuada e supervisão dos seus profissionais, são raras ou insuficientes, além de graves carências materiais. Os loucos e loucas de rua estão abandonados e abandonadas à própria sorte (ou será miserável azar)? Por tudo isso, em recente publicação da Global Drug Policy Index (novembro 2021), o Brasil ocupa o 30º lugar entre os trinta países avaliados, (escore: 26), ficando abaixo da Indonésia e Uganda (escores: 28). Cabe atribuir ‘mais família’ como solução para estas questões? E como ser mais família no abandono social e existencial que violenta e embrutece, especialmente os miseráveis do mundo?


Para nós do COLETIVO INTERCAMBIANTES BRASIL - NÚCLEO BAHIA, seria muito mais desejável ler pelas ruas de nossas cidades notícias sobre mais escolas inclusivas; mais trabalho; mais políticas públicas voltadas para a cultura, esporte e lazer, que aliviem as dores físicas, psíquicas, sociais e, assim, reduzam o consumo alternativo de substâncias psicoativas, o álcool, em particular. Esperancemos que um dia isto ocorra.


 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


Escohotado, A. (1995). A Guerra do Ópio. Madrid: Alianza Editorial.

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