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EDUCAÇÃO, PREVENÇÃO E PROMOÇÃO DE SAÚDE: A IMPORTÂNCIA DA CIÊNCIA

Atualizado: 18 de nov. de 2022



Entre as diversas preocupações presentes na vida em sociedade está o uso de drogas, um assunto amplamente debatido no Brasil e no mundo, configurando-se como uma importante questão de saúde em nível global. Pesquisas nacionais e internacionais mostram que o uso vem se tornando cada vez mais elevado, principalmente entre o público adolescente e jovem. Entretanto, pesquisadores da área sinalizam que as práticas de prevenção e cuidado às pessoas que fazem uso de substâncias andam na contramão do que é sugerido pelas evidências. Um destes pesquisadores é o neurocientista Carl Hart, professor da Columbia University (Estados Unidos) e autor do livro “Um preço muito alto”, que afirma “boa parte do que temos feito em termos de educação, tratamento e políticas públicas no terreno das drogas está em desacordo com os dados científicos”. Neste cenário, portanto, um importante debate é sobre como o conhecimento científico pode contribuir para as práticas preventivas, principalmente no campo da educação.


De acordo com Denise de Micheli, pesquisadora e professora do Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo, “o conhecimento científico é um dos aspectos essenciais para a educação, especialmente no que se refere à prevenção do uso de drogas. Caso contrário, a prevenção do uso acaba sendo realizada por meio de ações isoladas, acreditando-se que algo efetivo está sendo feito, quando, na verdade, pouco está”. A pesquisadora destaca que o conhecimento científico é fundamental para se pensar e planejar estratégias de prevenção, na medida em que dá suporte e promove autoconfiança aos educadores para que possam atuar em assuntos específicos, como a questão do uso de substâncias.


“O conhecimento científico é essencial para a educação, especialmente no que se refere à prevenção do uso de drogas”

Dra. Denise De Micheli (UNIFESP)


Fernanda Machado Lopes, pesquisadora e professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), onde coordena o Laboratório de Psicologia Cognitiva Básica e Aplicada (LPCOG) e realiza estudos na área de álcool e outras drogas, afirma que o indicado seria “os educadores, as pessoas que estão à frente nas escolas, utilizarem estudos desenvolvidos com seriedade e rigor metodológico, publicados em revistas indexadas, ou seja, fontes confiáveis mostrando o que melhor tem funcionado em termos de programas de prevenção e promoção de saúde em relação ao uso de drogas”. A pesquisadora complementa que deve haver tanto um cuidado por parte de cientistas com relação ao público leitor, para que a linguagem seja acessível, quanto o exercício por parte de educadores de buscar o que tem se produzido em termos de pesquisas mais atuais sobre a efetividade das estratégias preventivas.


“O papel da escola é contribuir para que o aluno consiga desenvolver o conhecimento de uma forma crítica”

Dra. Fernanda Machado Lopes (UFSC)


Na opinião das entrevistadas, a escola é um local estratégico para se trabalhar qualquer assunto, especialmente questões relacionadas ao uso de drogas e outros temas importantes para o desenvolvimento saudável de crianças e adolescentes, devido ao número possível de estudantes que podem ser alcançados. Considerando que a função da escola é contribuir para que os alunos consigam desenvolver conhecimentos de forma crítica, é importante a promoção de diálogos neste espaço, pois é uma temática que circunda e representa um dos principais fatores de risco na infância e adolescência. Na mesma direção, Carl Hart, em seu livro citado inicialmente, pontua que “a grande prioridade seria uma educação pública sobre as drogas que não fosse tendenciosa, mas cientificamente informada”.


Em conformidade com Fernanda Lopes, o papel da escola é auxiliar na construção de conhecimentos para que os alunos entendam os efeitos dessas substâncias no desenvolvimento cerebral, na cognição e na saúde física e emocional, e quais as possíveis consequências do uso em uma fase da vida em que o cérebro ainda está em processo de amadurecimento. Esses diálogos podem contribuir para o desenvolvimento de um conhecimento crítico e, por conseguinte, instrumentalizar crianças e adolescentes na tomada de decisões mais assertivas frente à oferta dessas substâncias e outras circunstâncias de risco em suas vidas. Devido a isso, para Denise De Micheli, a escola é um espaço privilegiado para trabalhar a promoção de saúde, muito mais do que prevenção.


“A escola é um espaço privilegiado para trabalhar a promoção de saúde, muito mais do que prevenção”

Dra. Denise De Micheli (UNIFESP)


“Vários estudos têm sido desenvolvidos sobre práticas preventivas nas escolas. No entanto, pouco se sabe sobre a efetividade dessas ações. A maior parte das pesquisas refere-se a estudos que descrevem a implementação de um programa, sobre avaliação de processo, mas pouco se sabe se ele foi efetivo ou não, considerando o desfecho final. De um modo geral, a gente sabe que os docentes se sentem pouco familiarizados e confortáveis com esse tema. Dependendo da localização, muitos professores se sentem inclusive temerosos em abordar o assunto, por conta de possíveis ameaças a sua integridade física e emocional. Mas, considerando o todo, eu mesma publiquei vários estudos sobre o que os educadores pensam sobre prevenção e etc., e o que a gente vê é que a maior parte deles considera o tema importante, mas se sentem pouco confortáveis para aborda-lo. Então, seriam ideais estudos com o objetivo de trabalhar a dessensibilização junto aos docentes, de modo a promover maior autoconfiança e maior senso de autoeficácia desses profissionais” (Denise De Micheli).


Um dos estudos coordenados por Denise De Micheli no Programa de Pós-Graduação em Educação e Saúde na Infância e Adolescência – UNIFESP investigou os fatores que podem dificultar o desenvolvimento de ações preventivas nas escolas, bem como o que é possível e pertinente desenvolver nesse âmbito na visão dos participantes. Dentre os fatores levantados, os pesquisadores identificaram barreiras como:


  • Crença de que a prevenção é responsabilidade da família, segurança, saúde e outros setores, eximindo o papel da escola e dos educadores

  • Excesso de demandas, restrição de tempo para reflexão e planejamento e falta de articulação da equipe escolar

  • Desconhecimento sobre os múltiplos fatores que envolvem a relação do indivíduo com as substâncias, como os motivos para consumo e as questões sociais, culturais e políticas relacionadas

  • Dificuldades de estabelecimento de parcerias entre educação, saúde, esporte, segurança e lazer, para formação de uma rede de apoio

Segundo Gilberta Acselrad, no livro “Quem tem medo de falar sobre drogas? Saber mais para se proteger”, publicado pela Editora FGV, o temor e as barreiras em relação ao assunto decorrem das políticas proibicionistas repressivas que, de um lado geram violência, no caso das drogas ilícitas, e, por outro, resultam em uma educação repleta de impasses, principalmente no caso de substâncias lícitas, como o álcool, o tabaco e os medicamentos psicoativos. Diante estes impasses, a autora apresenta a educação para a autonomia como meio de construir um discurso democrático sobre as drogas e reduzir os potenciais riscos e danos sociais e à saúde associados ao uso. Para Acselrad, a educação tem como objetivo a autonomia dos sujeitos, a superação dos medos e a reflexão sobre decisões e ações conscientes. Dessa forma, a educação sobre drogas baseada na autonomia tem como proposta pensar e planejar coletivamente políticas públicas de educação e saúde que atendam às reais necessidades dos sujeitos, ofertando possibilidades concretas de intervenção, visando o desenvolvimento de potencialidades em prol do bem-estar individual e social, tendo a solidariedade como principio norteador.


O uso de drogas é uma preocupação presente entre profissionais da educação. Dada a sua complexidade é necessário se repensar e planejar práticas pedagógicas inovadoras, participativas e mais efetivas, que superem o modelo repressivo provindo das políticas proibicionistas. Essas estratégias devem ser formuladas considerando as diferentes realidades e relações estabelecidas dos sujeitos com as substâncias psicoativas, abrangendo suas dimensões psicológicas, sociais, comunitárias, culturais e políticas. É preciso, acima de tudo, reconhecer que, além das vulnerabilidades, a infância e a adolescência representam também um período de protagonismo, o que é de extrema relevância para se planejar práticas preventivas ao uso de drogas direcionadas a essa população. Neste ínterim, a ciência é essencial para a educação e a prevenção do uso de drogas, pois, com seus métodos, possibilita a avaliação dos indicadores de efetividade das intervenções planejadas, contribuindo assim com o aprimoramento das práticas educativas e preventivas e, por conseguinte, com o bem-estar individual e coletivo.


 

SOBRE OS AUTORES:


Richard Alecsander Reichert: Doutorando em Psicobiologia pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Pesquisador na área de Medicina e Sociologia do Abuso de Drogas. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/7744495824597038


Denise De Micheli: Doutora em Psicobiologia e Pós-Doutora em Ciências. Professora Associada da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2246867228137055

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