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REDUÇÃO DE DANOS NO BRASIL EM 2024

Leia o artigo escrito por Fábio Mesquita sobre REDUÇÃO DE DANOS. Neste momento repleto de retrocessos aqui no Brasil, precisamos nos instrumentalizar para conseguirmos introduzir essa prática no nosso trabalho. Leia, reflita e comente conosco!



A história da humanidade registra o uso de drogas por milhares de anos, e somente em 1920 uma parcela minoritária impôs o proibicionismo. Este alcançou seu ápice durante o governo de Richard Nixon em 1971, nos Estados Unidos da América, marcando o início da "Guerra Contra as Drogas", que na verdade se revelou uma guerra contra as próprias pessoas que usam drogas.

 

Em resposta ao proibicionismo, surgiu o movimento de Redução de Danos, buscando abordagens humanitárias e práticas para lidar com o uso de drogas. Originado em 1920, quando na Grã-Bretanha começaram a prescrever ópio para dependentes desta substância, importada de Hong Kong, uma ex colônia britânica. O movimento evoluiu para sua forma atual na década de 1980.

 

Nos anos 80, uma das primeiras iniciativas desse movimento foi a implementação de programas de troca de seringas, na Holanda e na Grã Bretanha, visando conter a propagação da Hepatite C (na época chamada de Não A Não B) entre usuários de drogas injetáveis. A estratégia baseou-se em evidências científicas, que mostraram a eficácia da distribuição de seringas limpas na redução do risco de infecções, sem aumentar o consumo de drogas. Quando surgiu posteriormente a disseminação do HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana) entre pessoas que utilizavam drogas injetáveis, a distribuição de seringas foi estendida para controlar a expansão do HIV.

 

A Redução de Danos continuou avançando e se consolidou como uma abordagem ampla de cuidado em saúde pública e direitos humanos, baseada em evidências científicas. Acesso à cannabis para fins medicinais; a criação de Drop Inn Centers (centros de convivência diária para pessoas que usam drogas); salas de uso de drogas seguro (onde as pessoas podem consumir drogas sob supervisão de uma equipe de saúde); e projetos de atenção psicossociais (aqui no Brasil CAPS AD – Centros de Atenção Psicosocial de Alccol e Drogas - é o melhor exemplo); são medidas de muito sucesso adotadas em várias regiões do mundo, respeitando a diversidade e os direitos humanos das pessoas que usam drogas, e claro, para o uso de diferentes tipos de drogas.

 

O envolvimento de organizações não governamentais e ativistas foi fundamental para a promoção e disseminação da Redução de Danos no Brasil e no mundo. A fundação da Associação Internacional de Redução de Danos (IHRA) em 1996 desempenhou um papel-chave nesse processo. Tive o privilégio de ser co-fundador e seu primeiro Vice-Presidente.

 

Redução de Danos consolidou-se como uma abordagem ampla de cuidado em saúde pública e direitos humanos, sendo reconhecida e apoiada por organizações multilaterais como a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (UNAIDS) e o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (UNODC).

 

No Brasil, a Redução de Danos teve início em 1989, em Santos, São Paulo, durante uma epidemia de HIV/AIDS entre pessoas que usavam drogas injetáveis. A cidade se inspirou na experência internacional baseada em evidência, para implantar um programa de troca de seringas. No entanto, esse programa enfrentou resistência e foi temporariamente interrompido após um processo judicial movido pela Promotoria do Estado de São Paulo, que usou para tanto a Lei de Drogas feita pela Ditadura Militar de 64, Lei 6368 de 1976, que afirmava que “qualquer pessoa que auxiliasse as pessoas a usar drogas era considerada traficante”. O processo acabou arquivado, depois de intensa luta jurídica, mas como consequência, tivemos de interromper o Programa conduzido pela gestão de então do Governo Municipal do Partido dos Trabalhadores e aliados. Tive como Coordenador Municipal de Controle da AIDS, mais uma vez o privilégio de ser o autor desta iniciativa, que contou com apoio do Secretário de Saúde David Capistrano da Costa Filho e da Prefeita Telma de Souza. Posteriormente uma ONG local, IEPAS (Instituto de Pesquisa em AIDS de Santos), seguiu conduzindo clandestinamente, o Programa de Trocas de Seringas na Cidade.

 

Os perrengues em Santos geraram uma polêmica nacional sobre opções possíveis para o enfrentamento da epidemia de HIV/AIDS entre pessoas que usavam drogas injetáveis, e na Bahia, o Centro de Estudos e Terapia do Abuso de Drogas (CETAD) foi então o primeiro serviço que trabalhou com o programa de Redução de Danos tolerado, com apoio do então governador médico e conservador Antônio Carlos Magalhães. O projeto foi muito bem conduzido pelo Dr. Tarcísio Andrade e Equipe, com o suporte do coordenador do CETAD Dr. Antônio Nery.

 

Este artigo está sendo escrito no final do primeiro trimestre de 2024, quinze meses (ou 31%) do quarto mandato do Presidente Lula na Presidência da República. Depois de muitos ataques dos Governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro às Políticas Públicas sobre Drogas, havia uma enorme expectativa de recuperação de Redução de Danos como o centro da Política Pública sobre Drogas, só que não. Chocou o movimento de Redução de Danos brasileiro o fato de que o que se fez até o momento, foi o Ministério do Desenvolvimento e Assitência Social, Família e Combate à Fome, criar um Departamento de apoio às “Comunidades Terapêuticas”, para fazer média com a Bancada da Bíblia de Pastores Pentecostais. É inaceitável que os parcos recursos do SUS sejam destinados a estas entidades que não trabalham sob nenhuma evidência científica, e que não podem ser consideradas Comunidades e muito menos Terapêuticas.


Em um momento em que as políticas públicas sobre drogas são alvo de ataques como a da recente aprovação pelo Senado da PEC45, é crucial continuarmos defendendo a Redução de Danos como uma abordagem baseada em evidências, eficaz, efetiva e humanitária, capaz de promover a saúde e o bem-estar das pessoas que usam drogas em nosso país.


 

SOBRE O AUTOR:


Fábio Mesquita: Médico, Doutor em Saúde Pública, precursor de Redução de Danos na América Latina. Fundador e primeiro Vice-Presidente da Associação Internacional de Redução de Danos. Atualmente é Professor Afiliado na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) – Santos.

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