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O CONTROLE DA EPIDEMIA DE HIV/AIDS NO BRASIL A PARTIR DE 2023



O Brasil sempre foi modelo no enfrentamento à epidemia de HIV/AIDS.


A política implementada no estado de São Paulo em 1984 (logo após o registro dos primeiros casos de HIV/AIDS relatados no país em 1982) e seguida pela política nacional em 1985, coincidiu com o início do processo de democratização do país (depois de 21 anos de Ditadura Militar) e com o artigo da Constituição de 1988 que determinava a Saúde como Direito do Cidadão e Dever do Estado Brasileiro. Com o passar dos anos, em poucas áreas da saúde isto foi implementado de forma tão literal como no controle de HIV/AIDS. A resposta brasileira se transformou em uma política de Estado com intenso controle social da sociedade civil organizada, mobilizada para garantir seus direitos.


Nos últimos anos, com a necropolítica genocida do governo Bolsonaro, aconteceram inúmeras formas de ataque a esta política, e nos deparamos com mais um componente da maior crise da saúde pública na história do Brasil.


O Brasil não só perdeu o papel de líder da agenda internacional, como também fechou espaços históricos de participação popular e controle social (como a Comissão Nacional de AIDS e a Comissão dos Movimentos Sociais, fundamentais para o bom funcionamento da política nacional). Perdeu no controle de transmissão vertical do HIV, na queda da mortalidade e na detecção precoce dos casos, sem falar da total quebra de regras de uso de recursos federais (anteriormente carimbados para o controle de HIV) e agora cada Município ou Estado fazem o que querem com os recursos. Há casos, como o do uso do orçamento secreto para o HIV, que foram escandalosos (e ainda não sabemos nem de longe como os recursos foram distribuídos nestes anos). Uma séria medida de fiscalização se faz necessária.


Enfrentamos a pior gestão do Programa de AIDS do Ministério da Saúde em toda sua história, o que levou à falta de estoque de medicamentos antirretrovirais, a uma implementação sem controle e avaliação da essencial política de profilaxia pré-exposição, a interrupção de políticas específicas para minorias como: indígenas, juventude, população negra, cessou programas de redução de danos, interrompeu a história de uma produtiva educação/comunicação em saúde, que sempre alavancaram a resposta do país. Populações vulnerabilizadas, odiadas pelo bolsonarismo (gays, pessoas trans e trabalhadoras do sexo) foram totalmente invisibilizadas.


Ao lado de outros segmentos da saúde, o apagão de dados impactou, em muito, a luta contra a epidemia do HIV/AIDS no país, distanciando o Brasil das Metas do Desenvolvimento Sustentável comprometidos para 2030. Até o nome do departamento eles tiveram o desplante de modificar para apagar e silenciar as pessoas vivendo com HIV/AIDS, numa simbólica demonstração de sua intolerância e ódio às minorias. Militares comandados pelo então “desministro” Pazuello se infiltraram em posições chaves e facilitaram este trabalho de apagamento e destruição de uma das mais bem sucedidas politicas de saúde deste país.


Os desafios da nova equipe de saúde serão enormes. Vou aqui enumerar alguns:


  1. Reorganizar o Departamento de IST/AIDS e Hepatites Virais;

  2. Retomar a comunicação e educação em saúde com destaque para agenda de garantia dos direitos humanos combatendo os ainda resistentes, estigma e discriminação;

  3. Adequar as campanhas e a linguagem da comunicação para populações mais vulnerabilizadas;

  4. Retomar os Conselhos Comunitários de Controle Social com garantia de ampla e diversa participação, usando sempre como parâmetro ou principio da equidade.

  5. Incentivar a participação de todos os estados da federação nos processos de discussão e construção das políticas públicas em saúde no âmbito do HIV/AIDS no Brasil, lembrando, como afirmou o presidente Lula, que o nosso pais não se resume apenas às regiões Sul e Sudeste nem tampouco as parcelas branca e cis da sociedade. O HIV/AIDS é uma epidemia que diz muito sobre racismo, inequidades sociais e eliminação proposital de minorias sociais. E uma epidemia com forte apelo politico e deve ser tratada como tal;

  6. Desenvolver os conceitos relacionados ao HIV/AIDS junto à população em geral, mas especificar focos de trabalho em segmentos mais vulnerabilizados da população como pessoas trans e outros LGBTQIP+, Mulheres, HSHs, Trabalhadoras do Sexo, Indígenas, Negros e Jovens.

  7. Inovar em tecnologia, sobretudo atenção especial a novidades como o uso injetável de medicamentos antirretrovirais para prevenção e tratamento, dentre outros.

  8. Garantir implantação de qualidade para iniciativas como PrEP (profilaxia pré-exposição) e PEP (profilaxia pós-exposição) com monitoramento e avaliação rigorosas;

  9. Ter uma agenda do SUS nítida de Redução de Danos para um momento onde o Chemsex (sexo químico, é o nome que se usa para a prática do uso de substâncias psicoativas durante as relações sexuais, para aumentar as experiências sensoriais e a própria percepção de prazer durante o ato), está crescendo no Brasil e que o Governo Bolsonaro deixou como única política de drogas as Comunidades Terapêuticas em sua maioria dirigidas por igrejas pentecostais, que não são comunidades, nem terapêuticas.

  10. Seguir capacitando jovens lideranças para renovar sempre o movimento social;

  11. Trabalhar com o espirito de que a luta pelo controle da epidemia de HIV/AIDS tem de ser verdadeiramente nacional e levar em consideração todas as 27 unidades da Federação;

  12. Investigar a fundo como foram utilizados os recursos de AIDS nos anos de Bolsonaro;

  13. Seguir jogando papel determinante na pauta internacional, e como disse o Presidente Lula ao mencionar a pauta do Meio Ambiente: O Brasil precisa estar de volta.


Será um esforço imenso e desejo toda sorte a todos os técnicos e novas lideranças do Ministério da Saúde para superar este apagão e voltar a fazer brilhar esta relevante política pública, que sempre foi um dos maiores orgulhos da saúde pública em nosso país.


 

SOBRE O AUTOR:


Fábio Mesquita: Médico, Doutor em Saúde Pública, foi Diretor do então Departamento de DST/AIDS e Hepatites Virais do Ministério da Saúde na gestão de Dilma Roussef (2013-2016), e trabalhou 12 anos na Organização Mundial da Saúde (OMS), em vários países, no Departamento de HIV e Hepatites Virais.

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