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PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO NOS SERVIÇOS DE SAÚDE

Hoje apresentamos a você, nosso intercambiante, o texto: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO NOS SERVIÇOS DE SAÚDE.


Este é um tema muito atual e necessário para nosso conhecimento e reflexão.


Você que já está pensando sobre isso ou você que ainda precisa pensar, terá aqui uma reflexão cuidadosa.


A nossa escritora é a Dra. Maysa Nanci que é advogada especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho.


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A Precarização do Trabalho pela Contratação de Terceirizados nos Serviços de Saúde

Maysa Nanci Lopes da Silva é advogada com atuação há mais de 10 anos no consultivo e contencioso jurídico, com especificidade em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho.


A Constituição Federal (CF) de 1988 estabelece a saúde como direito fundamental de todos, sendo dever do Estado assegurar sua promoção, proteção e recuperação, nos termos dos artigos 6º e 196 e seguintes da Carta Magna. Nesse contexto, evidente a relevância do Sistema Único de Saúde (SUS) como instrumento essencial para a concretização de tal direito, sendo que a pluralidade do SUS abarca desde os atendimentos médicos e hospitalares, vertente mais visível à população, até políticas estruturantes, como o saneamento básico, a vigilância sanitária e ações preventivas de promoção da saúde coletiva.


Assim, o que se propõe é reflexão crítica acerca dos efeitos da terceirização dos funcionários na saúde pública brasileira, principalmente a partir do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI nº 1.923, em abril de 2015, em que as Organizações Sociais (OSs), recebendo dinheiro e bens públicos, estão autorizadas a realizar contratos com terceiros para a execução de serviços de saúde, sem a necessidade de licitação, bem como contratar trabalhadores sem a realização de concursos públicos, o que fragiliza a vinculação aos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (artigo 37 da CF), juntamente com os demais direitos trabalhistas.


Em linhas gerais, dados da Nota Técnica nº 3/2017 da Secretaria de Relações Institucionais do Ministério Público do Trabalho apontam que dentre todos os trabalhadores do país, são os terceirizados que enfrentam condições laborais inferiores, estando 80% mais expostos a acidentes de trabalho.


Na prática, a terceirização dos profissionais de saúde contratados via Organizações Sociais constitui claro cenário de retrocesso social diante da desigualdade remuneratória, da inexistência ou precariedade de bonificações por qualificação, da ausência de recolhimento do FGTS irregular (em muitos casos), entre outras lesões aos direitos laborais.


E, mais, a contratação terceirizada torna o trabalhador mera peça substituível dentro de uma lógica funcionalista e descartável. Sua permanência no posto de trabalho passa a depender unicamente da conveniência do tomador, fragilizando um dos requisitos do vínculo empregatício: a pessoalidade. Pessoalidade que é essencial para uma relação de identidade e pertencimento da comunidade, principalmente quando se trata de atendimento à população pelos órgãos de saúde. 


Nesse sentido, a terceirização operada por meio das Organizações Sociais tem contribuído de forma significativa para a desvalorização e desprofissionalização dos trabalhadores da saúde, sustentada por um discurso de suposta superioridade gerencial das OSs na administração de recursos. 


Empiricamente, o que se observa, principalmente por meio das ações ajuizadas na Justiça do Trabalho, são jornadas extenuantes, vínculos contratuais instáveis ou contratação de profissionais, algumas vezes, sem a formação técnica necessária. Esse contexto compromete gravemente a qualidade da assistência prestada à população, reduzindo consideravelmente a efetividade do dever estatal de promoção à saúde.


Além disso, em recente decisão, o STF, no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1298647, com repercussão geral (Tema 1118), condicionou que nos casos de terceirização, para fins de responsabilização trabalhista do poder público, é imprescindível a demonstração de que houve falha na fiscalização da prestação de serviço, sendo ônus que se impõe ao autor da ação (trabalhador, sindicato ou Ministério Público), devendo ainda ser provada a culpa pela Administração Pública, exigindo-se a comprovação concreta de que a Administração Pública tinha ciência das ilegalidades ocorridas. Tal exigência torna a responsabilização praticamente inviável, pois ignora a hipossuficiência e as dificuldades práticas do trabalhador para produzir a prova. 


Deste modo, resta claro a degradação do meio ambiente laboral, direito humano reconhecido por tratados internacionais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (art. XXV), o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (arts. 7º e 12), e as Convenções 148, 155, 161, 167 e 187 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), escancarando a violação sistêmica que acompanha a terceirização nas unidades de saúde.

No mais, a rotatividade elevada, a carência de treinamentos e a instabilidade contratual impactam diretamente a qualidade dos serviços prestados à população. A lógica simplificada de contratação pelas Organizações Sociais promove o desmonte silencioso do SUS ao substituir vínculos duradouros por contratos frágeis e subordinados à suposta redução de custos. Assim, o direito à saúde, consagrado no art. 6º da Constituição, é gradativamente desfigurado.


O resultado é o enfraquecimento não só dos direitos trabalhistas e da saúde, mas da própria cidadania. O Estado Social e democrático deve valorizar o serviço público e o trabalho de seus agentes como garantidores de direitos fundamentais. A substituição progressiva do funcionalismo público por contratos terceirizados representa não apenas uma mudança de modelo de gestão, mas uma desconfiguração do que foi almejado e firmado pela Constituição de 1988.


Portanto, a terceirização no serviço público de saúde revela um processo de precarização que atinge frontalmente trabalhadores e usuários do sistema. É preciso denunciar essa dinâmica como parte de um projeto mais amplo de privatização dos direitos sociais. Defender a saúde pública é, também, defender condições dignas de trabalho para quem a executa.

 
 
 

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